quarta-feira, 23 de setembro de 2009

O laço de James Dean


A minha geração foi fortemente influenciada pelo cinema e isso se perpetuou pela vida afora. Nos anos 50, 60 e 70, em Uruguaiana, a sétima arte tinha um papel importante na formação de opiniões e na formatação do comportamento dos jovens. Crescemos sem a massificação da TV e a diversão estava na rua, no centro, nos dois cinemas centrais, o Corbacho/Pampa e o Carlos Gomes. Resumindo, estávamos sempre dentro dos cinemas ou em volta deles, assistindo a filmes hoje memoráveis e dedicando-nos a uma paquera muitas vezes platônica, geralmente inocente, em torno da Praça Barão do Rio Branco.
Verdade é que a influência do cinema era tanta que acabávamos, mesmo sem querer, imitando personagens que tinham uma vivência de visível encanto e queríamos isso para nós. Sim, copiávamos os astros, pelo menos o seu jeito, algo singular que se destacava. Podia ser o olhar sensual do Marlon Brando, as sobrancelhas arqueadas do Sean Connery ou cerradas do Clint Eastwood. Lembro de um amigo que imitava James Dean brincando com seu laço em “Assim caminha a humanidade”. Na verdade, não era um laço, mas sim uma corda, como eu saberia anos depois.
O amigo fazia círculos em cima de círculos com o laço, assumindo um jeito ora displicente, ora enigmático, olhando para um lado, como fazia o rebelde Jett Rink, cercado por astutos homens de negócios num Texas emergente em petróleo. Filho de estancieiro daqui de Uruguaiana, meu amigo se vestia como caubói e brincava com o laço a me perguntar se não estava igual a Dean. Eu alegava não lembrar da cena do laço e ele se irritava, perguntando o que eu estava fazendo no cinema nessa hora. Pois é, o que eu fazia mesmo enquanto Dean esboçava essa cena antológica para a plateia? Não lembro mesmo. Talvez eu estivesse somente interessado no olhar violeta da Elizabeth Taylor ou na inquietude de alguma garota ao lado.
Esse caso é para ilustrar o que o cinema fazia com a gente, na época. Nós assumíamos a admiração por momentos fascinantes que a telona oferecia aos jovens de uma cidade fronteiriça sem muitas escolhas. Claro que, mais do que os pais, foram os filmes que nos ensinaram a paquerar, a dar o primeiro beijo, a assumir trejeitos de astros para conquistar garotas aparentemente inacessíveis. O amigo treinava tiro de laço, mas não se interessava em pegar um bovino aspado. Queria apenas fazer o truque do laço que achava ser o mesmo que Dean mostrava no filme derradeiro, que terminou pouco antes de morrer estupidamente, arrebentando o carro numa estrada deserta da Califórnia. Era a tal rebeldia sem causa. A gente pouco entendia disso, do que era ser rebelde naquele tempo em que James Dean personificava um ícone cultural, com as angústias próprias dos anos verdes.
Mais do que dominar uma corda e andar como um caubói, a gente assumia os bons valores dos mocinhos de tantos filmes, já que eram referências que vinham de fora de maneira avassaladora. Assim, aprendemos a nos comportar com as garotas, a bancar o cavalheiro em todos os momentos, a driblar os pendores de ser um canalha. Sim, nossa personalidade era forjada ali, no escurinho do cinema, onde o mundo real virava um reboliço e parecia entrar na tela – ou era o contrário? Ah, claro que no meio dessa sucessão de influências havia o sonho de viver um grande amor, como bem acalentavam as meninas da época. A personalidade de quem se movimentava na tela parecia se irradiar para o mundinho de garotos que apenas sonhavam ter um pouco do charme de James Dean, mesmo sem o tal laço.
Meu amigo do laço está por aí, na cidade ou nas terras que herdou do pai, e certamente ele vai ler estas linhas com um sorriso cúmplice, lembrando o quanto era bom se confundir entre realidade e ficção, saindo do cinema com o desejo de fazer coisas boas e saudáveis. Sei que James Dean continua seu ídolo e que revê “Assim caminha a humanidade” e os dois filmes anteriores do astro, na sala de cinema que montou em sua bela casa, com a cumplicidade da mulher, dos dois filhos e de três netos. “Realmente, era uma corda”, me disse certo dia, rindo, confirmando o que lhe contara há uns cinco anos, entre boas reminiscências. Corda ou laço, pouco importa. A influência é eternizada e isso ganhou mais valia quando ele acrescentou: “Nós também éramos mocinhos. À nossa maneira, mas éramos”. Fiz que sim, lembrando as aventuras e paixões que fizeram parte do cotidiano de garotos comuns que amavam o cinema e tinham vontade de mudar tudo ao gosto deles.

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