quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Como contar um conto


Você já pensou em se dedicar ao conto? Pois a L&PM está dando um raro presente, lançando, em nova e caprichada edição, o “Decálogo do perfeito contista”, do uruguaio Horacio Quiroga, com organização de Sergio Faraco e Vera Moreira. Conhecedor da obra desse grande contista uruguaio, Faraco traduziu diversos de seus títulos. Este manual é uma obra crítica com a força narrativa de Quiroga, em uma versão enriquecida com bibliografia sobre o ofício da escrita para os novos autores que desejam persistir na ficção, sobretudo no conto, além de uma cronologia da vida e obra desse gênio da história curta.
Afinal, até que ponto funciona um receituário para a escrita? Quem está metido no ramo sabe que isso pode ser em vão. No entanto, em alguma coisa ajuda, como acreditava Quiroga, que se suicidou em 1937, depois de uma vida de seguidas tragédias. O certo é que ele aprendeu a escrever muito bem e procurou deixar isso para a posteridade. Fã do autor uruguaio, Sergio Faraco, que vem a ser um dos melhores contistas brasileiros, enriqueceu o “Decálogo...” com as impressões de importantes autores, que se apressam em dizer que não há fórmula infalível para escrever bem.
Tudo bem, a gente já sabe que não existe o grande segredo. Mas, como ressalta Faraco, há alguns preceitos deste manual de 168 páginas que são bem-vindos para os que se aventuram a escrever. Quiroga ensina, por exemplo, a contar uma história a partir do seu final, o que não deixa de ser interessante. O resultado é um livro curioso, com comentários às vezes irônicos, às vezes engraçados de Aldyr Garcia Schlee, Charles Kiefer, Cíntia Moscovich, Deonísio da Silva, Fábio Lucas, Flávio Moreira da Costa, Hélio Pólvora, Jacob Klintowitz, Jaime Prado Gouvêa, José Castello, Luís Augusto Fischer, Luiz Antonio de Assis Brasil, Marcelo Backes, Miguel Sanches Neto, Moacyr Scliar, Nelson de Oliveira, Paulo Hecker Filho, Roberto Gomes, Silveira de Souza e Sonia Coutinho. Uma turma que diz o que pensa com autoridade.
Claro que a maioria dos escritores concorda que um ponto é essencial: é preciso ler muito para escrever bem. E no caso do conto, é preciso ler Faraco e Quiroga. Vale acrescentar: deve-se ler os que sabem realmente escrever, assim como apreender suas dicas espalhadas em entrevistas ou nas memórias. O primeiro conselho é meter a cara e escrever de qualquer jeito e depois ir melhorando, podando o excesso, principalmente adjetivos - onde os iniciantes exageram. O processo é lento, individual, solitário e muitas vezes sofrido. As oficinas literárias, como a da Vera Ione Molina Silva, ajudam a encurtar o caminho e a não fazer bobagens, a sofrer menos, a ter disciplina e dedicação. Isso já é bastante para um aprendiz, que deve ser imensamente grato.
Sobre o conto, costuma-se dizer que em cada parágrafo há duas frases decisivas: a primeira e a última. Esse é um bom atalho para chegar lá e Quiroga sabia fazer isso como o mestre que era. Fernando Sabino costumava dizer que “é preciso descascar o texto como quem descasca uma fruta, ir buscar a semente. Escrever é principalmente cortar”. Isso mesmo, cortar, cortar, como faz Faraco e como fazia Quiroga. Outro mestre do texto curto, o argentino Jorge Luis Borges, começou uma aula dizendo: “Dediquei a maior parte da minha vida à literatura e só posso lhes oferecer dúvidas”. Nada mais verdadeiro. Dúvidas sempre acompanham os escrevinhadores de textos longos e curtos até o fim da vida. A chave desse ofício não existe, apesar da tentativa de Quiroga em provar o contrário com seus 10 mandamentos, que pelo menos mostram algum rumo confiável. O segredo é tatear no escuro até encontrar a fechadura. E não raro, dá-se de cara na porta errada. Em suma, escritores são uns teimosos irremediáveis.

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