quarta-feira, 7 de julho de 2010

Um dia em Paris

Vendo um anúncio sobre o filme “Um dia em Paris” (que ainda vou assistir), peguei o mote para esta crônica. Ah, se eu ganhasse um dia para visitar Paris, que fosse no início da primavera ou no começo do outono, como sugeriu uma amiga que reside lá. Assim, não estaria muito quente e os dias seriam mais bonitos. Eu percorreria aqueles caminhos milenares na certeza de que nada escaparia ao meu olhar sequioso em alcançar as etapas que se descortinariam com natural generosidade. Diante da Cidade-Luz a celebrar os 120 anos da Torre Eiffel, eu estaria atento a tudo e subiria ali de um jeito abobalhado, cheio de espanto diante da vista deslumbrante. E como um hóspede teimoso, me demoraria além do permitido, imaginando as histórias ambientadas naquele ícone de ferro e charme.
Com um dia para percorrer Paris, eu seria caminhante, munido de um guia imaginário. Saberia conter a sofreguidão de querer abarcar todas as paixões parisienses de uma só vez, dizendo em voz baixa que o tempo é mais do que suficiente. Sim, um tempo necessário para ser caminhante por ruas de tantas construções antigas, incluindo a Catedral de Notre Dame, onde poderia avistar, espreitando de dentro de um nicho, o corcunda Quasimodo com a cara do Anthony Quinn naquele filme famoso. Olharia com fingido desdém para as vitrinas de luxo de Champs Élysées, concentrado em imaginar qual o ponto exato em que a linda Jean Seberg conheceu Jean-Paul Belmondo, no clássico “Acossado”.
Com um dia para desbravar Paris, ignoraria os mapas para turistas apressados e buscaria a poesia das ladeiras de Montmartre, entre bares, restaurantes e todos os cantos que possivelmente guardam as marcas dos passos de escritores e artistas que um dia buscaram a fama e tinham a certeza que estavam no lugar certo. Eu teria disposição de menino para subir as intermináveis escadarias do Sacré Coeur e lá no alto ficaria rodopiando diante da vista que se descortinaria como um presente inimaginável. Eu olharia para os pintores de rua, diante das portas do templo, como se fossem irmãos da poesia e compraria um dos seus quadros com admiração incontida, como alguém fez décadas atrás, levando para casa uma obra daquele desconhecido espanhol que assinava Picasso – que agora tem por lá um museu no Marais, o qual visitaria por causa das suas telas iluminadas.
Ah, se eu ganhasse um dia para conhecer Paris, meus sapatos me levariam às margens do Sena. Aí, eu deteria o olhar nas suas águas, meio enlevado em longos minutos. Depois, percorreria as vielas líricas do Quartier Latin, onde numa época sonhei morar, talvez motivado pela rebeldia da juventude. Eu me veria perdido por ali, caminhando mais um pouco e entrando num dos tantos bistrôs do Marais, onde beberia algo característico do lugar, como fizeram Hemingway e seus companheiros da Geração Perdida, sob o olhar complacente de Gertrude Stein. Por ali, certamente enfeitiçado, eu poderia inventar de não voltar, já que a vida é tão curta e a chance de vivê-la de verdade seria aquela e nunca mais.
Com um dia para conhecer Paris, faria o tempo se alongar, mesmo parecendo ainda mais curto para tanta grandiosidade retida no lugar. Eu olharia os casais apaixonados e me sentaria à mesa de um café na calçada e pediria um Bordeuax, que os franceses chamam de “gran vin”. Depois, enlevado, me dirigiria para os lados dos cabarés de Place Pigalle e conversaria com habitantes da noite sobre os mistérios escondidos daquelas ruas existencialistas. Também iria ao Moulin Rouge e desbravaria suas adjacências, achando ter percorrido muito e sabendo que ainda faltaria tanto para chegar ao âmago da cidade.
Ah, se eu for a Paris, mesmo por apenas um dia, tudo o mais não teria importância e eu me sentiria como um caminhante privilegiado entre as tantas estrelas e aquela única luz que faz dessa a cidade sonhada pelos que amam a vida na plenitude. No final do passeio, olharia para baixo e veria, com a naturalidade dos poetas que gostam de caminhar, que meus sapatos estariam floridos por ter pisado naquele chão abençoado pelos que sabem viver.

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